domingo, 21 de outubro de 2012

Propedêutica da Teoria Crítica: Horkheimer 3

O segundo parágrafo começa retomando a relação entre a produção de vida humana como aquilo que dá forma cognoscente para o conteúdo ou material do conhecimento: os fatos. Nesse sentido, e só nesse por enquanto, a teoria crítica está de acordo com o chamado Idealismo Alemão. Mas o que é Idealismo Alemão? O verbete da Wikipedia não vai ajudar, então procure em algum bom dicionário ou vocabulário de filosofia e vamos nos ater ao que Horkheimer vê de semelhança.



O Idealismo Alemão opõe um momento dinâmico à veneração dos fatos. Isso significa que o foco do Idealismo está no movimento e nas transformações de quem percebe e não nos fatos supostamente estáticos. Essa é uma concepção de conhecimento bastante diferente da ciência com a qual estamos acostumados. Para exemplificar essa diferença, Horkheimer cita dois autores idealistas: Kant (1724-1804) e Fichte (1762-1814).

Kant, em seu famoso giro copernicano – respondendo ao empirismo de Hume que afirmava que todo conhecimento vem da experiência e, por consequência, a mente, como um papel em branco, apenas registra tais efeitos dos objetos nos sentidos –, afirmava que, na verdade, toda experiência se conforma às categorias perceptivas humanas. Ou seja, assim como acreditava-se que o sol girava em torno da terra e Copérnico mostrou que a terra é que gira em torno do sol, o empirismo acreditava que o conhecimento vem dos objetos, mas Kant demonstrou que os objetos é que ganham forma de acordo com as categorias cognoscentes humanas. Isso não significa que só existem objetos na nossa percepção, mas que não temos como conhecer os objetos por eles mesmos, em si mesmos, mas apenas como eles se apresentam para nós. Também, para Kant, o conhecimento está atrelado à liberdade do homem, uma liberdade a ser conquistada, daí o momento dinâmico do conhecimento e a impossibilidade idealista de uma mera veneração dos fatos e de conformismo social, que Horkheimer menciona muito rapidamente, pressupondo que já conhecemos Kant. Assim, com base em Kant, Horkheimer critica a teoria tradicional em seu método de veneração dos fatos e decorrente conformismo social, baseado nas noções de que todo conhecimento é moldado pelas categorias perceptivas e finalidades humanas.
 


Após a breve menção a Kant, Horkheimer cita Fichte literalmente. No trecho citado, Fichte afirma que os processos envolvidos na visão de mundo são os mesmos do raciocínio matemático, com a diferença de que não tomamos consciência da forma como construímos nossa visão de mundo. E não tomamos consciência por vivermos no reino da necessidade e não da liberdade. Ou seja, vamos vivendo e adquirindo visões de mundo sem refletir sobre elas porque delas dependemos. Até aqui, há concordância entre a teoria crítica e o Idealismo Alemão, a partir desse ponto, Horkheimer começará a expor a discordância, o que ficará para nosso próximo post.

sábado, 20 de outubro de 2012

FRAGMENTOS 2: Nietzsche, um psicólogo materialista e histórico, mas não dialético!



Olás, meus caros espíritos livres, já faz um bom tempo que não nos encontramos por aqui, não? Pois é, amigos imaginários, após alguns meses me dedicando a um novo projeto de pesquisa, consegui, enfim, voltar a escrever para o blog. Debrucei-me, desta vez, sobre o primeiro aforismo de Humano, demasiado humano. Nele, Nietzsche aborda um tema bastante psicológico: conceitos e sentimentos. Se fôssemos pensar em uma tradição outra, a freudiana, chegaríamos a uma analogia interessante aos correspondentes “representação” ou “ideia” e “afeto”. A semelhança vai além. Já não me recordo mais em que texto, Freud menciona sua esperança de que a química viesse substituir seu modelo de aparelho psicológico no futuro da ciência. Nietzsche dá a seu primeiro aforismo de Humano, demasiado humano o título de Química dos conceitos e sentimentos. Por quê?

O título do primeiro capítulo, que reúne 34 aforismos, talvez nos ajude: Das coisas primeiras e últimas. Trata-se de uma menção ao pensamento filosófico geral que busca compreender de onde vieram e para onde vão todas as coisas. Nietzsche inicia seu livro com uma grande crítica à metafísica. Segundo ele, os problemas filosóficos são os mesmos desde o começo, tentando compreender de onde se originam os opostos como racional/irracional, contemplação desinteressada/desejo, etc. A metafísica teria encontrado uma solução milagrosa para os opostos: as coisas de mais alto valor têm origem direta da essência. A metafísica, portanto, lida com valores, ou seja, julgamentos de valor, que se originam de algo para além do mundo físico e material: a essência. O que vem da essência tem um alto valor, o que não procede dela, baixo valor.

À metafísica, Nietzsche opõe a filosofia histórica que, para ele, é a ciência natural. Estaria ele pensando em termos de evolução biológica darwiniana? Não temos elementos neste aforismo para tirar alguma conclusão. O que nos interessa aqui é que ele afirma que a ciência natural, ou filosofia histórica, identificou um erro da razão na metafísica: não existem opostos, existem sublimações em que o elemento básico se volatiliza em sentimentos morais, religiosos e estéticos, também em todas as nossas emoções. O que é esse elemento básico? Como ele se volatiliza ou sublima em sentimentos e emoções? Para responder a essas questões, precisaríamos não recorrer a essências metafísicas, mas à observação aguda, ao método das ciências naturais, uma química das representações e dos sentimentos. Eis nosso filósofo que nega a metafísica pela explicação materialista (um elemento básico material), baseada em uma filosofia histórica, mas não na dialética hegeliana das ciências do Espírito.

Conclui o grande escritor com uma questão bem ao seu estilo: “e se essa química levasse à conclusão de que [...] as cores mais magníficas são obtidas de matérias vis e mesmo desprezadas? Haveria muita gente disposta a prosseguir com essas pesquisas?”. Será que queremos descobrir que o que consideramos mais elevado é só efeito ilusório da matéria vil? Diz ele que a humanidade não gosta de se aproximar de suas origens: “não é preciso estar quase desumanizado para sentir dentro de si a tendência contrária?”. A ironia dessa pergunta é genial! Estar humanizado, fazer parte da humanidade é conformar-se com as ilusões metafísicas. Buscar as verdades materiais e históricas dos seres humanos passa a ser, portanto, desumanizar-se. Eis uma explicação para o título do livro, que critica as ilusões demasiado humanas.